sexta-feira, 21 de julho de 2017

Formando elementos por captura de nêutrons: o processo-r

Por Rafael Hideki Ishida, aluno do IAG/USP, e Prof. Dr. Jorge Meléndez (IAG/USP)

Formando ouro e outros elementos pesados pelo processo-r

Imagem artística da fusão de estrelas de nêutrons, uma provável origem do ouro e outros elementos pesados. (c) Mark Garlick

Estrelas massivas produzem sucessivamente elementos cada vez mais pesados, até chegar a produzir o elemento químico ferro (Fe) perto do fim de suas vidas. Elementos mais pesados da tabela periódica, como o ouro, são formados somente a partir da captura de nêutrons por núcleos atômicos de ferro e carbono, principalmente. A partir do decaimento beta, esses núcleos podem transformar seus nêutrons sobressalentes em prótons, aumentando seu número atômico e, consequentemente, formando um novo elemento químico. 

Diferenciamos duas formas de captura de nêutrons. Quando temos um baixo fluxo de nêutrons (como em estrelas do ramo assimptótico das gigantes, AGB), o processo se dá de forma muito lenta, de modo que um segundo nêutron só possa ser capturado pelo núcleo atômico após o decaimento beta ocorrer. Assim, chamamos este caso de processo s (proveniente do inglês, slow process). Já quando temos um alto fluxo de nêutrons (como em explosões de supernovas ou fusão de estrelas de nêutrons), o bombardeio sobre o núcleo atômico é tamanho, que diversos nêutrons são capturados antes que o decaimento beta possa ocorrer. Dessa forma, chamamos esse caso de processo r (do inglês, rapid process). No post anterior tratamos do primeiro caso (processo s), agora trataremos mais detalhadamente do segundo caso.

O processo r

Metade dos elementos mais pesados que o ferro são produzidos pelo processo s e a outra metade é resultado do processo r. Como mencionado anteriormente, as condições para ambos processos são diferentes. Enquanto as estrelas gigantes AGB são responsáveis pelo processo s, ainda existem muitas incertezas sobre o processo r, mas sabemos que condições extremas precisam ser alcançadas para que ele ocorra, como uma explosão supernova ou uma fusão de estrelas de nêutrons (essa fusão foi detectada recentemente em ondas gravitacionais e luz por diversos observatórios). Porem, não é totalmente certo qual destes dois eventos é o palco dominante do processo r. Contudo, observamos em estrelas de baixa metalicidade elementos produzidos pelo processo r, um certo absurdo, já que estas estrelas não deveriam ter elementos tão pesados assim. Este impasse, entretanto, é justamente resolvido considerando as supernovas como lugares de ocorrência do processo r, já que, assim, as estrelas de baixa metalicidade teriam incorporado esses elementos de supernovas que ocorreram nos primórdios da Galáxia. A colisão de estrelas de nêutrons é talvez mais importante em tempos mais recentes.

O processo r é realmente muito intenso. Tudo ocorre em uma escala de 2 a 3 segundos. Para termos uma ideia desta intensidade, podemos fazer uma analogia muito interessante. Imagine que você tente subir uma escada rolante que se move no sentido contrário, ou seja, está descendo. A sua tentativa de subida representa o fluxo de nêutrons e o movimento de descida das escadas representa o decaimento beta. Perceba que, se você subir mais devagar do que a escada desce, você não conseguirá subir. Analogamente, se o nosso fluxo é baixo, o núcleo decai. É o que ocorre no processo s. Dessa forma, você precisará tentar de novo se quiser subir. Ou seja, um novo nêutron precisa ser capturado para decair novamente (como no processo s!). Agora, caso você suba com uma velocidade maior do que a velocidade de descida da escada, você conseguirá chegar ao topo. Analogamente, se tivermos um alto fluxo, não haverá como o decaimento beta ocorrer, criando núcleos pesados, assim como no processo r. Enfim, se você já tentou subir uma escada rolante que desce, sabe que o esforço é realmente grande!


(CLIQUE PARA AUMENTAR) Representação da analogia entre escadas rolantes e o processo de captura de nêutron.
Devido ao alto fluxo de nêutrons, muitos dos núcleos se encontram muito pesados, com cerca de 100 prótons cada. Isso os torna muito instáveis, fazendo-os decair, emitindo principalmente partículas alfa (núcleos de hélio). Finalmente, eles acabam se tornando isótopos de chumbo, tório e urânio, os quais são estáveis e possuem meias-vidas da ordem de bilhões de anos, tornando-os ótimas referências para escalas de tempo cósmicas.

Quando observamos o final do processo de captura de nêutrons é possível reconhecer um certo padrão em relação aos elementos produzidos. Apenas determinados elementos são formados através do processo r e suas proporções são muito bem determinadas. Isto significa que o Sol, por exemplo, pode não ter a mesma abundância desses elementos que outras estrelas, mas ele possui a mesma proporção. Isto mostra que o processo r é um mecanismo que ocorre sempre da mesma maneira em qualquer lugar do universo; ele possui apenas uma receita. Tal fato se tornou muito interessante para os astrônomos, pois, a partir dessa relação, foi possível determinar certas idades cósmicas. Comparando a razão entre dois elementos no momento em que foram formados (este número é obtido através de modelos) e a razão entre esses elementos atualmente, podemos determinar idades de estrelas com muita precisão. E como temos diversos elementos químicos, podemos medir uma mesma idade com diferentes "relógios". Cada uma dessas razões entre elementos é denominada cronômetro ou relógio cósmico. 

Recentemente (16/out/2017) foram detectadas ondas gravitacionais da fusão de estrelas de nêutrons, com uma contrapartida em luz visível, o que está trazendo muita informação sobre a formação de elementos químicos pelo processo-r. Aparentemente, devemos o ouro presente na Terra à colisão de estrelas de nêutrons.
Imagem artística da fusão de duas estrelas de nêutrons, uma possível origem de elementos pesados. (c) NASA




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