quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Alquimia estelar: a formação dos elementos químicos no interior das estrelas

Por Victoria Pardinho, Giovani Vicentin e Rafael Ishida, alunos do Prof. Dr. Jorge Meléndez


A pedra filosofal existe: as estrelas podem transmutar no seu interior os diferentes elementos químicos da tabela periódica!


Assim como qualquer área da ciência, a astronomia também depende da interdisciplinaridade para aprofundar ao máximo suas pesquisas. Em especial, o estudo das estrelas mais antigas do Universo está intimamente relacionado com os elementos químicos. Contudo, diferente da química, a astronomia não está tão preocupada em estudar as características dos diferentes tipos de elementos, mas sim com os processos de formação de átomos no interior das estrelas. Dessa forma, os conhecimentos de química e da física nuclear são imprescindíveis para a formação de um campo muito importante para a astronomia: a astrofísica nuclear. 

Dentro dos diversos tópicos da astrofísica nuclear, o estudo da síntese dos elementos no núcleo das estrelas se mostra muito importante, uma vez que nos permite entender não só a composição do nosso Universo atual, mas também como este era nos seus primeiros milhões de anos de vida. O primeiro passo para entendermos esse assunto é conhecermos a estrutura de uma estrela. De uma forma bem simples, uma estrela é uma enorme esfera de gás ionizado, chamado de plasma. Duas forças são responsáveis por manter o formato esférico. Enquanto a gravidade exerce uma força no sentido do centro da estrela, a pressão do gás gera uma força no sentido contrário. Quando essas forças se equilibram, a estrela pode durar por muito tempo. Porém, se houver um desequilíbrio, a estrela pode vir a colapsar.

Representação das forças que mantém o formato esférico das estrelas. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 63.

As estrelas continuamente irradiam energia pela sua superfície. No seu centro, reações nucleares são responsáveis por produzir essa energia, através da fusão de núcleos atômicos. Ao mesmo tempo, essas reações acabam gerando os elementos mais pesados. Ao longo de sua vida, uma estrela irá fusionar principalmente núcleos de hidrogênio, os quais produzirão o hélio. Contudo, conforme a estrela se aproxima do final de sua evolução, elementos mais pesados ainda são formados.

Dependendo das características da estrela, dois processos diferentes ocorrem no núcleo estelar. No caso de estrelas como o Sol, a queima de hidrogênio acontece principalmente pelas reações em cadeia próton-próton (cadeia p-p). Neste processo, dois prótons se combinam para formar um núcleo de deutério (1 próton e 1 nêutron). Para tanto, um dos prótons se converte em nêutron, através do decaimento beta inverso, liberando ainda um pósitron e um neutrino. Em seguida, o núcleo de deutério colide com outro próton, formando um isótopo de hélio, o 3He (2 prótons e 1 nêutron) e liberando energia na forma de radiação gama. Quando dois desses isótopos se chocam, há a formação do núcleo de hélio 4He. Os dois prótons sobressalentes são liberados, podendo recomeçar o processo. 


Esquematização da cadeia p-p. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 64.

Em estrelas com temperatura e massa mais elevadas do que o Sol, outro processo de fusão de hidrogênio predomina no núcleo: o ciclo CNO (carbono-nitrogênio-oxigênio). A primeira reação a ocorrer é a fusão de um próton com um núcleo de carbono (
12C), formando um isótopo de nitrogênio (13N). Este é radioativo, e acaba decaindo, transformando um próton em um nêutron, gerando um isótopo do carbono (13C). Este novo carbono combina-se com um outro próton, resultando no núcleo de nitrogênio (14N). Mais uma vez, outro próton fusiona transformando o nitrogênio em um isótopo do oxigênio (15O). Este isótopo também é radioativo. Assim, ele logo decai e forma um isótopo do nitrogênio, o 15N. Por fim, um último próton colide com o isótopo de nitrogênio, o qual dividirá-se em um núcleo de hélio (chamado de partícula 
α)
e de carbono, o mesmo do início do ciclo. A energia é produzida sempre que um próton se combina com os outros elementos, sendo liberada na forma de radiação gama.


Esquematização do ciclo CNO. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 66.

Quando todo o hidrogênio é consumido, o núcleo passa a ser constituído basicamente de hélio. A queima de hidrogênio agora é realizada em uma camada situada logo acima do núcleo. Este, por não produzir mais energia, acaba se contraindo e, consequentemente, aquecendo-se. Em certo momento, a temperatura é tanta que o hélio começa a fusionar, gerando elementos mais pesados, como o oxigênio e o carbono. A "queima" de hélio continua até que se esgote no núcleo. Então, uma camada de hélio é formada acima do núcleo e abaixo da camada de hidrogênio. Todo esse processo ocorre com os outros elementos (oxigênio, carbono, nitrogênio), conforme o núcleo contrai e se aquece cada vez mais, continuando até que um núcleo de ferro e níquel é formado. A partir desses dois elementos, a fusão nuclear passa a ser um processo endotérmico, não ocorrendo espontaneamente. Sem uma fonte de energia no núcleo, a gravidade acaba dando fim à vida da estrela. Para as mais massivas, o núcleo colapsa, resultando em uma enorme explosão de supernova.

Interior de uma estrela de alta massa próxima do seu fim. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 70.